21 de maio de 2008

se ele apenas telefonasse...

Talvez seja o que ele está fazendo. Talvez esteja vindo para cá sem telefonar. Talvez já esteja a caminho. Alguma coisa deve ter acontecido. Não, nada lhe poderia ter acontecido. Não consigo imaginar nada lhe acontecendo. Nunca poderia imaginá-lo atropelado. Frio, morto e esticado numa calçada. Queria que ele estivesse morto. Esse desejo é terrível. Uma gostosura de desejo. Se estivesse morto, ele seria meu.
Se estivesse morto, eu não estaria pensando no agora e nas últimas semanas. Iria pensar apenas nos momentos felizes. Seria tão lindo! Gostaria que ele estivesse morto. Morto, morto, morto.

(...)
Vou pensar em alguma outra coisa. Vou ficar sentada quietinha. Se ao menos pudesse ficar quietinha! Ou ler um pouco.
Mas todos os livros só falam de pessoas que se amam de verdade, com ternura.
Por que vivem escrevendo sobre isso? Não sabem que é mentira? Uma merda duma mentira? Por que escrevem sobre isso, quando sabem que machuca? Merda, merda, merda.

Não vou ler. Vou ficar quieta. Afinal, qual é o problema? Vamos ver. Suponha que fosse uma outra moça. Bastaria que eu passasse a mão no telefone e dissesse: "Puxa, o que aconteceu com você"?
Pois é o que eu faria, com a maior naturalidade do mundo. Por que não posso fazer o mesmo? Só porque o amo? E se puder? Pois eu posso. Sinceramente. Vou ligar para ele, como quem não está nem aí. Não me deixe fazer isso, meu Deus. Não deixe, não deixe, não deixe.

Um telefonema - Dorothy Parker.

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